Discriminação LGBT+ no trabalho: o que diz a lei e como o RH deve agir

Karine Gaia
Cultura Organizacional
  15 min. de leitura

De alguns anos para cá, diversidade e igualdade no trabalho vem ganhando visibilidade de maneira mais ativa e consciente. A própria cobrança da sociedade por empresas que assumem seus papéis na aplicação de ações de combate à discriminação LGBT+ vem crescendo. 

Atualmente, com a sigla completa sendo LGBTQIAP+, é fundamental discutir essa temática e estimular a pluralidade no ambiente de trabalho. Falar de cada pessoa que compõe essa sigla é relevante do ponto de vista social, político e econômico, afinal, existem milhões de pessoas da comunidade no Brasil.  

Segundo o próprio IBGE, na sua primeira pesquisa experimental sobre orientação sexual dos brasileiros, 2,9 milhões de pessoas de 18 anos ou mais se declaram lésbicas, gays ou bissexuais.

Esses números ainda não refletem toda a realidade da comunidade – o próprio IBGE deixa claro se tratar de uma pesquisa que está em fase de teste e sob avaliação -, no entanto é um primeiro dado oficializado. 

Ficou claro que a gente precisa falar sobre isso nas empresas, certo? Então chegou a hora de arregaçar as mangas e conferir como os profissionais de RH podem participar ativamente no desenvolvimento de políticas e práticas no combate à toda forma de preconceito e discriminação. 

Luta contra a discriminação LGBT: como começou essa história? 

Era madrugada do dia 28 de junho de 1969 quando uma boate conhecida por receber o público LGBT+ nos EUA foi vítima de um ataque policial. Na ocasião, gays, travestis, lésbicas e drag queens, cansades da repressão, resistiram e iniciaram o que se tornou uma verdadeira rebelião

Àquela altura do campeonato, o grupo não sabia que estava prestes a estabelecer a base para as primeiras discussões em prol dos direitos LGBTQIAP+ na América do norte e no restante do mundo. A partir de então, o assunto ganhou as ruas e o debate público. 

O episódio que escancarou a necessidade de discussão sobre discriminação LGBT ficou conhecido como “a rebelião de Stonewall”, nome do bar onde tudo aconteceu. 

A resistência teve seis dias de duração e foi uma resposta às duras ações da polícia. Com frequência, a corporação promovia revistas humilhantes em batidas nos bares gays da cidade de Nova York. 

No mundo, o episódio se tornou o marco zero na luta por direitos do movimento LGBT+. E foi assim que o dia 28 de junho se transformou no Dia Internacional do Orgulho LGBT

A data, ainda que tenha sido criada para celebração das conquistas históricas, também tem como objetivo nos lembrar que ainda há muito chão a ser percorrido, até porque existe bastante discriminação LGBT ao redor do mundo. 

No primeiro ano após a ocorrência da rebelião, outras cidades estadunidenses fizeram manifestações para manter a chama acesa. Depois, a marcha se estendeu para países europeus. Atualmente, a parada LGBT+ acontece em todo o mundo entre os meses de junho e julho.  

E no Brasil?

No ano da revolta de Stonewall, o Brasil enfrentava um dos mais rígidos momentos da sua história: a ditadura militar. Isso porque alguns meses anteriores à ocorrência, em dezembro de 1968, o país outorgava o AI-5. 

O ato retirava uma enorme quantidade de direitos individuais e de liberdade civil dos brasileiros.

Sendo assim, é certo afirmar que lutar contra o preconceito de orientação sexual era algo que não fazia sentido naquela altura. É o que afirma o professor da USP, ativista e autor do livro “A História do Movimento LGBT no Brasil”, Renan Quinalha.

“A ditadura acabou atrasando em 10 anos a emergência do movimento LGBT no Brasil”, disse ele em entrevista à BBC News Brasil

Ele também aponta que o movimento LGBT+ no país só começou a ganhar voz, efetivamente, uma década depois. Houve, ainda na ditadura, dois atos importantes no Brasil, ambos em 1980. 

O primeiro, quando um grupo LGBT+ se uniu aos trabalhadores em um ato de movimento sindical, em São Bernardo do Campo (SP). E o segundo, quando diversos indivíduos protestaram, juntos, contra um ato de violência policial de um delegado que comandava as ocorrências de repressão à comunidade LGBTQIAP+. 

O “Stonewall” brasileiro 

Em 19 de agosto de 1983, um protesto ocorreu em um bar frequentado por mulheres lésbicas, o “Ferro’s Bar”, em São Paulo. Ele ganhou visibilidade nacional e ficou conhecido como “o pequeno Stonewall brasileiro”. 

Na ocasião do protesto, o dono do bar chamou a polícia em uma tentativa de impedir a venda de uma bebida. Ele alegava que o seu nome era um atentado aos bons costumes, mesmo ciente de que o local era constantemente frequentado por lésbicas.

No outro dia, ativistas e frequentadoras do bar invadiram-no e leram, em voz alta, um manifesto para defender o direito das mulheres homossexuais. Em 2003, o dia 19 de agosto se tornou o Dia do Orgulho Lésbico no Brasil

Direitos do LGBTQIAP+ no trabalho 

Quando o assunto é homofobia no trabalho, é certo dizer que ainda falta muito para termos um cenário ideal, no qual a diversidade racial, sexual e de gênero sejam amplamente respeitadas nas empresas. 

De acordo com a expectativa da Aliança Nacional LGBTI, do segundo semestre de 2021, o desemprego em algumas regiões do Brasil pode ser de até 40% para a população LGBTQIAP+. 

A falta de oportunidade é ainda mais expressiva (até 70%) quando focamos especificamente na presença de transexuais no mercado de trabalho

A gravidade da estatística é grande seja pela falta de acesso desta comunidade ao emprego, como também por afetar de maneira direta a autonomia e independência desses trabalhadores.

 A própria saúde da comunidade LGBT também tende a ser afetada, especialmente no que diz respeito à mudança de humor, depressão e ansiedade. 

Para aflorar a discussão sobre o assunto, separamos na sequência os principais direitos da comunidade LGBTQIAP+ no trabalho.  

Discriminação LGBT pré contratual

A discriminação LGBTQIAP+  pré contratual ocorre, como o termo sugere, antes mesmo de uma eventual contratação. Ela pode se manifestar na seleção ou entrevista de emprego, por exemplo. 

Esses preconceitos podem ser identificados quando a vaga exige respostas que não tenham relação com as funções da vaga ou qualificação do candidato. Perguntas sobre a preferência sexual, se a pessoa está em um relacionamento ou se tem filhos são exemplos. 

Se comprovada a ocorrência de discriminação LGBT neste sentido, o indivíduo que se sentir lesado pode pedir uma indenização em reclamatória trabalhista por danos morais, como consta o Artigo 187 do Código Civil. 

Se a discriminação for confirmada, a empresa é condenada ao pagamento como consta no processo indenizatório.

Também é uma ação que pode ser considerada assédio moral, como falaremos a seguir.

Assédio moral e sexual

Indenizações por assédio moral e sexual também são recorrentes quando falamos em direitos no ambiente de trabalho da pessoa LGBT. 

São exemplos de assédio moral, como consta na Lei nº 8.112/1990: 

  • Espalhar histórias ou boatos envolvendo a vida pessoal da pessoa; 
  • Mudar o colaborador de cargo sem outras causas aparentes; 
  • Criar apelidos preconceituosos/maldosos;
  • Excluir a pessoa colaboradora de determinadas vivências. 

O assédio sexual, como consta na Lei nº 10.224/2001, tipificado no Código Penal, envolve qualquer tipo de contato físico forçado e/ou sem consentimento, incluindo abraços ou beijos. 

Comentários ou histórias de cunho erótico/sexual também configuram assédio sexual. Por fim, perguntas constrangedoras e comentários sobre o corpo ou roupa da pessoa colaboradora também entram aqui. 

Vale, inclusive, reforçar que a reparação do dano moral compete à empresa empregadora e não ao colaborador, já que ela se responsabiliza pelos contratados.  

Equiparação salarial

De acordo com o artigo 461 da Consolidação das Leis do Trabalho, os colaboradores que possuem funções iguais, independentemente do gênero, classe social ou cor devem receber salários iguais. Salvo quando a diferença no tempo de serviço ultrapassar dois anos. 

Apesar disso, a falta de equiparação salarial segue como uma das injustiças sofridas por pessoas LGBTQIAP+ no mercado de trabalho. As mulheres também são comumente afetadas por esse problema. 

O machismo predominante ainda impõe dificuldades que resultam em discriminação de gênero, que ocorre de maneira recorrente com as mulheres no mercado de trabalho.

Se confirmada a ocorrência de salários diferentes para mesmos cargos e função, a pessoa trabalhadora pode cobrar essa garantia na justiça em uma reclamatória trabalhista.  

Comitês jurídicos para assegurar direitos 

Sabemos que prevenir a discriminação LGBT não é uma tarefa assim tão fácil. No entanto, há diversas atitudes que a empresa pode tomar para evitar essas situações, mantendo o clima organizacional saudável para todos

Uma delas é a criação de comitês internos para garantir que os direitos das minorias estão sendo assistidos e respeitados. 

Atualmente, os comitês jurídicos e/ou de diversidade e inclusão vêm sendo estabelecidos dentro das empresas. Eles visam identificação, acompanhamento e repúdio de qualquer ocorrência envolvendo discriminação LGBT, de gênero, racial, ou com PCDs

Neste cenário, vale destacarmos alguns dados obtidos em 2020 pelo Center for Talent Innovation, atual Coqual, que podem justificar essa demanda: 

  • 1/3 das empresas no Brasil não contratariam membros da comunidade LGBT+ para assumirem cargos de liderança;
  • 41% das pessoas LGBTQIAP+ afirmam já terem sofrido qualquer tipo de discriminação por sua identidade de gênero ou orientação sexual no trabalho; 
  • 61% dos colaboradores LGBTQIAP+ escondem a sexualidade de seus gestores e/ou colegas. 

No Brasil, existe  o Fórum de Empresas e Direitos LGBT, que desde 2013 a organização defende a promoção e o respeito aos direitos da comunidade LGBT+. 

Entre as iniciativas do grupo, uma delas foi a criação de 10 compromissos das empresas consideradas amigas LGBT. O objetivo é inspirar aquelas que ainda estão em busca do caminho da diversidade. 

A propósito, você sabia que a lgbtfobia no Brasil causa demissão? Veja mais a seguir.  

Discriminação LGBT+ causa demissão?

A discriminação LGBT pode ser, sim, a causa para demissão – inclusive por justa causa

Tudo vai depender do local onde o ato de lgbtfobia for exercido. Se dentro do ambiente de trabalho, cabe dispensa por justa causa. 

Se for fora, a empresa também pode demitir ao entender que aquilo não está alinhado (a) aos ideais, valores ou cultura organizacional da mesma. Neste caso, a demissão deve ser sem justa causa, ou seja, arcando com todos os direitos do colaborador. 

De acordo com o presidente da Associação Nacional da Advocacia Negra (Anan), Estevão da Silva, casos de lgbtfobia ou racismo devem ser averiguados antes de qualquer decisão efetivada de demissão, seja por meio de sindicância ou de processo administrativo.

Como a discriminação LGBT pode afetar a marca ou empresa?

Também é certo afirmar que relatos de discriminação LGBT podem afetar tanto a cultura organizacional da empresa como sua própria employer branding (marca empregadora). 

Afinal, é crescente o número de pessoas públicas que vem assumindo um papel ativo no combate ao preconceito contra minorias.

Basta observar como atitudes discriminatórias ou de exclusão vêm sendo cada vez mais cobradas. Esse é mais um indicativo de como marcas podem se prejudicar ao contratarem ou manterem em seu rol de colaboradores pessoas que praticam atos preconceituosos ou racistas.

A propósito, vale aqui reforçar que empresas que possuem empregados preconceituosos e/ou que discriminam pessoas nas redes sociais também podem ser penalizadas por essas atitudes. 

Por isso é tão importante a criação de comitês jurídicos para análise de casos internos,  ssim como a valorização da cultura organizacional, para criar um ambiente em que os colaboradores pratiquem boas práticasde inclusão, representatividade e outros assuntos relacionados. 

Conscientização também é inclusão 

 É fundamental que todos os agentes da sociedade cumpram com o seu papel não somente no dia 28 de junho, no qual é comemorado o Dia Internacional do Orgulho LGBTQIAP+. Todo dia é dia para pôr fim, ao preconceito de orientação sexual, de identidade de gênero e é uma missão de todos nós, 

Na Convenia acreditamos que conscientização é sinônimo de inclusão. Por isso, são atitudes esperadas do RH que podem ajudar no estabelecimento de um local leve, diverso e confortável de trabalho: 

Estimule posicionamento

Começar pelo começo é fundamental, certo?

Ainda que criar um comitê para lidar com temáticas como essa seja relevante, há algumas atitudes que podem – e são necessárias – ser tomadas em conjunto.

A primeira delas é criar um ambiente leve e seguro para que todos se sintam parte, incluídos e, principalmente, respeitados. O comitê de diversidade deve ajudar na questão de como realizar comunicações e evitar micro agressões, que ainda podem ser realidade no ambiente de trabalho.

Uma atitude interessante também é a formação de um “grupo de aliados”. Em resumo, ele pode ser composto por colaboradores que desejam participar ativamente nas atitudes da empresa relacionadas ao assunto e sem participar necessariamente do comitê de diversidade como membro fixo.

É como uma rede de apoio, formada por pessoas de diferentes gêneros e orientação sexual. Juntas, elas abrirão espaço para a discussão de pautas LGBT+ e ajudarão na estruturação de um plano de ações.

Faça um “diagnóstico” da empresa

Quantas pessoas colaboradoras LGBTQIAP+ Conscientizar é, sobretudo, incluir. A empresa precisa fazer uma contabilidade de quantas pessoas são do grupo e como elas são tratadas.  

Sendo assim, se a sua empresa quer ser mais diversa, mas é 100% composta por pessoas fora da comunidade LGBT+, esse pode ser o momento de investigar as causas e motivações por trás desse fato.  

Diálogo é um alicerce e tanto para o combate à discriminação LGBT

Dê espaço para o diálogo. Escute, converse e valorize o que as pessoas que estão diretamente envolvidas neste processo tem a contribuir. 

Promover ambientes confortáveis para que as pessoas LGBTQIAP+ possam expressar seus sentimentos, vivências e desafios, é essencial para que se sintam acolhidas e representadas pela organização.

Além disso, esses espaços elaborados de fala também podem proporcionar aos colaboradores que não são LGBTQIAP+ compreenderem como é a experiência dessas pessoas, ajudando a construir empatia e senso crítico sobre o tema. 

Palestras e treinamentos 

Palestras e treinamentos sobre inclusão também podem contribuir nesse processo. Esses ciclos resultam, sobretudo, em inclusão, empoderamento e autoconhecimento para os representantes de cada sigla. A propósito, são eles: 

  • L: o “L” significa lésbicas. São mulheres, cis ou trans, que sentem atração afetiva e/ ou sexual por outras mulheres, também cis ou trans. 
  • B: bissexuais, diz respeito a pessoas cis ou trans que sentem atração afetiva, sexual ou emocional por mais de um gênero, como uma identidade fluida. 
  • G: Os gays correspondem a homens, sejam cis ou trans, que sentem atração afetiva e/ ou sexual por outros homens, da mesma forma cis ou trans.
  • T: transgêneros, transexuais e travestis: A transexualidade tem relação com identidade de gênero, e não orientação sexual. São pessoas que não se identificam com o sexo físico biológico atribuído ao nascer.  
  • Q: o termo queers abarca pessoas que entendem sua sexualidade e gênero dentro de um espectro vasto de possibilidades e não somente cis/trans e/iu hétero, bi ou homo. 
  • I: intersexuais, pessoas cujo desenvolvimento sexual corporal não se encaixa na forma binária.
  • A: assexuais, pessoas que não sentem atração sexual por outras pessoas, mas podem sentir atração afetiva. 
  • P: pansexuais, são pessoas com atração romântica, sexual ou emocional por pessoas independentemente da identidade de gênero ou sexo.
  • +: atualmente, o + representa demais identidades de gênero e orientações sexuais, justamente para demonstrar como diversidade de gênero e sexualidade é fluida. 

No ciclo de palestras, workshops ou treinamentos proposto pela empresa, é muito importante que toda essa diversidade seja contemplada com informações embasadas e com respeito às diferenças.

Conte com a ajuda de quem entende do assunto 

Na Convenia acreditamos que um comitê de diversidade pode fazer toda a diferença para a sua empresa.

Além do mais, um estudo conduzido pela Deloitte mostra que empresas que priorizam a inclusão e a diversidade têm chances duplicadas de cumprir ou exceder as metas financeiras e geram 30% mais receita por empregado. 

Dada a importância dessa temática na sociedade atual, criamos um e-book com tudo o que você precisa saber para criar um comitê de diversidade em sua empresa. Ele está disponível gratuitamente e conta com sugestões exclusivas para você iniciar esse projeto em sua empresa ainda hoje!

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