Desvio de função no trabalho: como o RH pode identificar

Marcelo Furtado
Gestão estratégica de RH
  13 min. de leitura

Apesar de não ser uma prática correta, o desvio de função no trabalho é algo que ainda acontece com certa frequência no mundo empresarial. 

Seja por engano ou por falta de conhecimento da empresa, esse tipo de postura não é incentivada pela legislação trabalhista, o que pode acarretar problemas trabalhistas e manchar a reputação da empresa.

Neste artigo, vamos mostrar que existem leis que versam contra a alteração de cargo sem o consentimento do colaborador. Mostraremos também a diferença entre esse conceito e o acúmulo de função no trabalho.

Acompanhe os próximos tópicos!

O que é desvio de função no trabalho?

O desvio de função pode ser definido pela prática de funções e responsabilidades diferentes do que é previsto em contrato entre o empregador e colaborador. 

Geralmente, ele acontece por dois fatores. O primeiro é quando a empresa desloca a pessoa colaboradora de posição. E o segundo é quando ele “não tem outra alternativa” a não ser assumir essas novas funções. 

Quase sempre as novas responsabilidades refletem o medo de ser demitido caso haja negativa em assumi-las. 

A mudança das atividades pode acontecer em qualquer tipo de relação de trabalho. Sendo assim, não é algo específico da CLT, mas também pode se manifestar com pessoas jurídicas ou temporárias. Em todos os casos, cabe penalização judicial. 

A seguir, vamos ver o que a lei trabalhista diz sobre o desvio de função no trabalho e dicas de como evitar esse problema na empresa. Recomendamos atenção especial do RH na montagem de um plano de cargos e salários e hierárquicos que impeçam delegações de tarefas incompatíveis.

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O que diz a lei sobre o desvio de função no trabalho?

A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) não tem regras específicas sobre o desvio de função no trabalho. No entanto, o artigo 468 tem sido usado como um direcionador para as empresas. 

De acordo com o Decreto Lei nº 5.452 de 01 de Maio de 1943, a alteração da função descrita no contrato de emprego só pode ser realizada por consentimento de ambas as partes (empregador e empregado).

“Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia”.

Sendo assim, se a organização modifica o cargo de um colaborador sem consultá-lo, está desconsiderando a CLT e cometendo um ato ilícito. Nessa situação, conforme o artigo 483, o profissional pode requerer a rescisão indireta – pedido de desligamento com todos os direitos trabalhistas garantidos.

“Art. 483 – O empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização quando: a) forem exigidos serviços superiores às suas forças, defesos por lei, contrários aos bons costumes, ou alheios ao contrato.”

Acúmulo de função X desvio de função no trabalho

Para ficar bem claro, o acúmulo de função no trabalho e o desvio de função correspondem a conceitos diferentes.

Acúmulo de função: se caracteriza pelo acréscimo de atividades realizadas por um profissional ao longo de sua carreira na empresa.

Por exemplo, um colaborador é contratado para cuidar das documentações dos processos de admissão. Devido a sua eficiência, o RH o designa para gerenciar também os exames médicos, os benefícios, e o envio dos eventos ao eSocial relativos aos profissionais contratados.

Desvio de função: acontece quando um colaborador exerce um cargo diferente daquele que foi contratado. Como é o caso de um profissional admitido para ser gestor de RH que acaba lotado como gestor do setor de contabilidade.

Neste caso, ele abre mão da sua função anterior para assumir responsabilidades completamente opostas ao que foi contratado para fazer.

Como o RH pode identificar o desvio de função?

Às vezes, o desvio de função no trabalho ocorre por descuido do RH. O colaborador responsável pelo lançamento das informações dos admitidos pela empresa pode registrar o profissional na função errada, com um código de CBO de profissão totalmente diferente.

Outra situação na qual pode acontecer desvio de função é a extinção ou junção de setores internos. Normalmente, quando esse processo é realizado, os colaboradores são remanejados de cargos. Sem a devida atenção, o RH pode esquecer de alterar a função dos realocados, resultando em um desvio de função.

Para não gerar problemas judiciais para a empresa, é necessário que a área de recursos humanos sempre faça revisões e atualizações nos cadastros dos colaboradores. Outra estratégia inteligente é utilizar tecnologias que ajudam na gestão de documentos dos trabalhadores e na verificação dos dados armazenados.

Quem deve provar o desvio de função? 

Diante dos aspectos legais já vistos, fica claro que o desvio de função não é algo bom para o colaborador e menos ainda para a empresa – que pode ser punida judicialmente. Mas, quando ocorre a troca ilícita de cargo, quem tem o direito de reclamar na justiça?

Segundo o artigo 818 da CLT, é o indivíduo que teve os direitos violados que realiza a denúncia trabalhista. Ele deve dar início a ação judicial com as devidas provas do ato ilícito. Essas comprovações podem ser:

  • O contrato de trabalho;
  • Documentos assinados, e-mails, holerites, marcação de ponto ou qualquer prova sobre o cargo exercido;
  • Testemunhas (pessoas que confirmam o desvio de função).

Além das infrações dos artigos já citados da CLT, a empresa pode ser indiciada também por danos morais caso a mudança de função tenha resultado em danos psicológicos ou físicos ao colaborador.

Podemos dizer que as consequências do desvio de função ultrapassam os prejuízos financeiros, pois acarretam:

  • Danos à imagem da empresa perante a justiça e ao mundo empresarial;
  • Aumento do absenteísmo e da rotatividade (turnover) interno, pois gera insegurança dentro da organização;
  • Elevação dos custos com afastamentos por motivos emocionais ou doenças relacionadas ao trabalho.

Quais as consequências e penalidades para a empresa em caso de desvio de função? 

Antes ainda de gerar um processo trabalhista, o desvio de função no trabalho pode causar danos para a cultura, gestão de pessoas e ao próprio clima organizacional da empresa. 

E faz sentido, certo? Afinal, é esperado que a atitude faça com que as pessoas colaboradoras sintam que a organização não as valoriza suficientemente. Além disso, pode gerar a desconfiança de que a empresa faz isso para não pagar o salário justo para aquela determinada função ou cargo. 

Com isso, acende-se o sinal de alerta sobre a empresa. Um clima organizacional pesado pode contribuir para uma má reputação

E os danos vão além: alta rotatividade de funcionários, baixa produtividade e desmotivação podem surgir. A razão é compreensível, já que a falta de boas práticas influencia diretamente na retenção de talentos

Os danos financeiros também podem ser expressivos. Isso porque ao entrar com um pedido de rescisão indireta por falta de cumprimento do que é previsto em contrato, a empresa pode ser condenada a pagar verbas rescisórias, indenizações e demais direitos do colaborador.

Além de trazer também uma possibilidade de novos colaboradores entrarem com ações judiciais, por perceberem o mesmo problema em seu contrato de trabalho.

A propósito, o desvio de função no trabalho é um assunto que causa muita divergência no Direito do Trabalho. Os posicionamentos finais em julgamentos tendem a ser interpretados de maneiras distintas. A começar pelas definições de  acúmulo e desvio de função no trabalho, que podem ser subjetivas.. 

A seguir, veja quais são as consequências e sanções que a empresa pode sofrer em casos de desvio de função no trabalho.

Alteração salarial

Na maioria das empresas, os salários são definidos a partir de um plano de progressão de carreira baseado no cargo da pessoa colaboradora, certo? Quando há acúmulo e principalmente no caso de desvio de função, a faixa salarial pode acabar não sendo condizente com as atividades que ele exerce. 

Sendo assim, se o funcionário desempenha funções diferentes daquelas que estão previstas em contrato, ou ainda, que exijam qualificação técnica diferente da sua, a empresa pode ser obrigada a arcar com essa alteração salarial. 

Vamos novamente usar o exemplo do colaborador que foi contratado para ser um gestor de RH. No meio da sua jornada na empresa, o setor foi extinto e ele se tornou gestor de contabilidade. Supondo que o salário desse segundo cargo seja mais alto, ele pode pedir judicialmente a alteração salarial.  

Rescisão indireta

Ao comprovar que desempenha atividades diferentes do que é previsto em seu contrato, a pessoa colaboradora também tem direito a uma rescisão indireta do vínculo empregatício. Isso porque ao solicitar a execução de atividades que não fazem parte do que é pactuado, o empregador comete uma grave falta. 

O colaborador ganha então o direito de rescindir o contrato empregatício unilateralmente e de maneira indireta. Isso inclui a exigência pelo pagamento de todas as verbas rescisórias, incluindo a indenização de 40% sobre o valor do FGTS, recorrente em demissões sem justa causa

Indenizações 

Casos em que o colaborador desempenha funções associadas a cargos superiores ao que ele foi efetivamente contratado podem também gerar indenizações. Neste caso, a empresa pode ser acionada a pagar a diferença salarial retroativa por todo o período em que o desvio de função no trabalho foi vigente. 

As indenizações aqui valem inclusive quando o colaborador é desviado de sua função apenas por um período específico. Se ele realizou atividades distintas daquelas previstas em contrato por 6 meses, por exemplo, ele ainda pode pleitear a indenização. 

É comum que esse desvio “momentâneo” aconteça quando há o afastamento de uma liderança e um colaborador do time é alocado a arcar com suas funções, sem que haja o devido reajuste salarial e mudanças contratuais.

O contrário, ou seja, assumir cargos inferiores também pode acarretar em indenizações. Isso porque o colaborador pode afirmar elevados níveis de insalubridade, estresse no trabalho e perigos associados à função desviada. Esse tipo de indenização, no caso, tende a ser enquadrada em danos morais. 

Por ser mais delicada, veja mais a seguir sobre a relação entre danos morais e desvio de função no trabalho.  

Danos morais por desvio de função

Primeiramente, cabe afirmar que o dano moral em desvio de função no trabalho é algo que exige aprofundamento para cada caso. Isso porque é algo mais subjetivo, já que varia muito a depender das necessidades e reclamações da pessoa colaboradora. 

Ações por danos morais geralmente são solicitadas quando há desvios que geram danos psicológicos ao colaborador. São exemplos aqui a sensação de ser incapaz de exercer determinada função ou até mesmo estresse associado às atividades que nem sequer deveriam ser realizadas por ele.

Mas afinal, qual a diferença entre uma indenização comum para uma indenização de danos morais?

Em resumo, o local onde o indivíduo vai entrar com a ação. Isso porque danos morais não se enquadram na Justiça do Trabalho como ação trabalhista, e sim em processo cível.

O artigo que regulamenta indenização por danos morais é o Artigo 186 do Código Civil, de 2002. Sendo assim, a reparação também pode ser solicitada dessa maneira, especialmente quando envolve danos essencialmente psicológicos. 

Como evitar possíveis desvios de função?

Melhor do que realizar auditorias para identificar erros é prevenir que os desvios de função aconteçam. Como conseguir esse objetivo? Uma das maneiras é pela criação de um plano bem definido de cargos e salários que esteja disposto em um organograma interno.

Para te ajudar nesse processo, veja nosso material gratuito que vai te ajudar a criar um plano de cargos e salários. 

No relatório você terá acesso a informações riquíssimas do mercado de trabalho que irá ajudar o RH no mapa de salários e cargos nas startups brasileiras. Assim, o desvio de função no trabalho é evitado. Confira!

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Vale ressaltar também a importância de um contrato de trabalho que conste a função e o serviço realizado pelo colaborador. Para reforçar a segurança desse documento, a empresa pode incluir uma cláusula que, caso seja necessária a troca de função, exija o consentimento entre as partes.

Já os registros dos colaboradores devem estar com a respectiva Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) compatível com o currículo e tarefas exercidas.

Outra prática preventiva é o treinamento de líderes e gestores. Mas o que tem a ver a educação corporativa com os desvios de função? Por meio desse processo, a liderança interna será lembrada da importância de delegar tarefas compatíveis com os cargos dos colaboradores.

Além disso, se for necessária uma realocação de cargo, os líderes devem informar isso imediatamente à área de recursos humanos. Nas aulas, é de grande valor repassar também as regras da CLT que impactam sobre os desvios de função.

Podemos dizer que a prevenção contra a troca ilícita de cargos começa no processo de recrutamento e seleção

Afinal, se os contratados tiverem suas habilidades e competências testadas, além de exercerem cargos alinhados a elas, não haverá a necessidade de mudá-los de função. Dessa forma, se cria um time eficiente e com uma trajetória de carreira bem definida.

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